A gravidez é um período de intensas transformações para a mulher, não apenas físicas, mas também emocionais e psicológicas. Apesar da crescente conscientização sobre a saúde física, a saúde mental durante a gestação e o pós-parto ainda é frequentemente negligenciada. Para abordar esse tema o Portal das Cidades ouviu a Dra. Bárbara Carmela (@barbara carmela fernandes ), médica obstetra e ginecologista, especializada em parto humanizado, que ressalta a importância de um olhar integral para a gestante.
A Vulnerabilidade da Gravidez e a Importância do Suporte
A Dra. Bárbara Carmela destaca, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a saúde é o bem-estar físico, mental, social e espiritual. “Se você pegar uma mesa composta de quatro pezinhos, se você tirar um deles, a mesa não vai parar em pé.
E assim acontece com o ser humano”, compara a médica, enfatizando a interconexão dessas dimensões.
Na gravidez, a mulher se encontra em um estado de vulnerabilidade. Fatores como a chegada do bebê, preocupações financeiras, falta de apoio do parceiro e até mesmo a ausência de uma rede socioeconômica adequada podem agravar essa sensibilidade.
A gestação, por si só, já impacta a saúde mental devido às intensas mudanças hormonais. “Se ela não tiver um apoio emocional, um apoio mental, esse quadro tende a se agravar”, alerta a Dra. Bárbara.
Fatores que Influenciam a Saúde Mental da Gestante
Segundo a médica , diversos elementos podem influenciar a saúde mental de uma pessoa grávida:
- Saúde física: Alimentação adequada, prática de atividades físicas e uma rotina saudável são fundamentais.
- Apoio social: Ter uma rede de apoio, com quem contar e trocar experiências, é essencial.
- Pré-natal e informação: Um bom acompanhamento pré-natal, onde a gestante pode tirar suas dúvidas, e o acesso à informação sobre a gravidez e o parto, são cruciais para reduzir a ansiedade e o medo. “A informação também salva”, pontua a médica.
- Parceria presente: O apoio do parceiro ou parceira faz toda a diferença, especialmente em um contexto onde muitas mulheres são as únicas responsáveis pela gestação.
- Planejamento da gestação: Quando possível, planejar a gravidez pode contribuir para uma saúde mental mais equilibrada.
As Mudanças Hormonais e os Sinais de Alerta
As oscilações de humor durante a gravidez são comuns e têm explicação fisiológica.
Os hormônios da gestação afetam receptores cerebrais, podendo deixar algumas mulheres mais calmas e outras mais ansiosas ou irritadas.
No entanto, a médica ressalta que é preciso estar atento quando essas alterações começam a comprometer a qualidade de vida da mulher, como:
- Excesso de sono que impede a realização das atividades diárias.
- Alterações bruscas de apetite que persistem além do primeiro trimestre.
- Pensamentos melancólicos em excesso ou falta de perspectiva para o futuro.
- Preocupação excessiva com o parto e a criação do bebê.
“Quando isso começa a comprometer a qualidade de vida a ponto de precisar de ajuda, é aí que a família tem que se atentar, porque muitas vezes esse quadro é negligenciado”, alerta a obstetra.
O Parto e a Violência Obstétrica: Marcas Profundas
O parto é um evento transformador, que marca o nascimento de uma mãe e de uma nova versão da mulher. A forma como o parto é conduzido e a possibilidade de escolha da gestante são fundamentais para sua saúde mental.
A violência obstétrica, infelizmente comum no Brasil, deixa marcas profundas e pode levar à depressão pós-parto e outros quadros mais graves.
A Dra. Bárbara enfatiza a importância de ter uma equipe de parto que explique cada etapa do processo e respeite as escolhas da mulher.
A informação e a presença de um acompanhante bem informado são essenciais para que a gestante possa garantir seus direitos.
“No momento do seu parto, você vai estar em situação de vulnerabilidade. A mulher está com dor, está com medo, e está passando por um processo de transição”, explica a médica.
A Continuidade do Cuidado no Pós-Parto
O cuidado com a saúde mental não termina com o parto. O período puerperal, muitas vezes, é ainda mais desafiador devido à queda brusca de hormônios e à adaptação à nova rotina.
O “ baby blues”, ou tristeza puerperal, é fisiológico e pode causar tristeza, melancolia e preocupação. No entanto, se esses sintomas se prolongam por mais de 40 dias e começam a comprometer a qualidade de vida da mulher, pode estar se instalando uma depressão pós-parto.
Os sinais de alerta para a depressão pós-parto são similares aos da gravidez, mas podem incluir também a indiferença com o recém-nascido ou a dificuldade em cuidar do bebê. A Dra. Bárbara ressalta a gravidade da depressão pós-parto não tratada, que pode se tornar crônica e afetar não apenas a mãe, mas também o desenvolvimento do filho. “Mães com depressão pós-parto que não tratam e que não são diagnosticadas precocemente têm maior chance de ter menos vínculo com o filho, maior chance de ter menos sucesso na amamentação”, adverte.
Conselhos Essenciais para a Gestante e a Família
Para manter uma saúde mental equilibrada durante a gravidez, parto e pós-parto, a Dra. Bárbara Carmela aconselha:
- Cuidado integral: Atentar para os quatro pilares da saúde: alimentação, atividade física, pré-natal adequado e saúde mental (com terapia e apoio psicológico, se necessário).
- Rede de apoio: Contar com amigos, familiares e participar de rodas de gestantes e mães para trocar experiências e formar uma comunidade de apoio.
- Espiritualidade: Desenvolver a espiritualidade, seja através da religião, propósito de vida, meditação ou yoga, contribui para o bem-estar mental.
- Informação: Estudar sobre o parto, as intervenções e ter um acompanhante bem informado.
- Conhecer a maternidade: Se possível, visitar e conhecer a maternidade onde o parto será realizado.
Quebrando Tabus: A Questão Cultural e Social
A negligência da saúde mental materna é reflexo de uma cultura que foca excessivamente no bebê, esquecendo-se da mãe.
“A gente tem aquela crença que o bebê é a peça mais importante, que toda atenção tem que ser voltada pro bebê, que a mãe verdadeira é aquela mãe que abdica tudo, até a si mesma, pro bebê”, observa a Dra. Bárbara.
Essa visão, embora bem-intencionada, impede que a mãe reconheça suas próprias necessidades e que a família ofereça o suporte adequado.
A médica reforça que é crucial que a família esteja atenta aos sinais de sofrimento da mulher, pois muitas vezes ela mesma não consegue identificar que precisa de ajuda devido à autocobrança e à culpa.
Para mulheres solo ou aquelas sem apoio na parceria, a Dra. Bárbara Carmela aconselha a buscar apoio social em outros familiares, grupos de mães ou, se possível, procurar um psicólogo.
Na rede pública, postos de saúde e agentes comunitários de saúde podem oferecer suporte e indicar rodas de grávidas e mães.
O Coletivo de Maria: Um Exemplo de Cuidado Integral
A Dra. Bárbara Carmela finaliza a conversa destacando iniciativas como o Coletivo di Maria (https://www.instagram.com/coletivodimaria/#) , em Itapetininga, que visa um acompanhamento integral da mulher durante a gravidez e o parto. O coletivo oferece um cuidado multidisciplinar, com médicas, enfermeiras, e o apoio da equipe durante todo o trabalho de parto, garantindo um vínculo e um suporte contínuo à mulher.
A saúde mental na gravidez e no pós-parto é um tema sério que merece a atenção de todos. Se você é gestante ou puérpera e está sentindo algo diferente, não hesite em pedir ajuda. Se você é familiar ou amigo, esteja atento aos sinais e procure suporte para essa mulher. A Dra. Bárbara Carmela reitera: “Todo mundo merece ser cuidado”.