O Portal das Cidades entrevistou Paula Guedes, especialista em Meio Ambiente e Diretora da Gaiah Gestão de Projetos Ambientais, para falar sobre o polêmico Projeto de Lei 102/2005, em tramitação na Câmara de Itapetininga.
O Projeto de Lei (PL) 102/2025, que visa dispor sobre a redução da definição da faixa de domínio público municipal ao longo das rodovias municipais e a reserva da faixa não edificável ao longo dos cursos d’água, está no centro de um intenso debate sobre a importância da conservação ambiental.
A proposta, que também estabelece exceções e medidas de proteção ambiental, levanta discussões fundamentais sobre o futuro das Áreas de Preservação Permanente (APPs) em contextos urbanos.
A Importância das APPs
Paula Guedes explica que a principal controvérsia reside na possibilidade de o município definir faixas não edificáveis distintas das estabelecidas pelo Código Florestal, especialmente nas margens de cursos d’água. Ela destacou a importância da reserva de faixa não edificável que, na prática, é mais conhecida como APP (Área de Preservação Permanente).
“As APPs, além das unidades de conservação, são o instrumento legal mais importante que nós temos de conservação dos recursos naturais e da biodiversidade no Brasil,” afirmou a especialista.
As APPs, instituídas legalmente desde o primeiro Código Florestal Brasileiro (1965), possuem funções vitais para o equilíbrio ambiental:
- Proteção dos Recursos Hídricos: Atuam na filtragem da água da chuva, prevenindo a poluição e garantindo a qualidade do abastecimento.
- Controle da Erosão e Assoreamento: A vegetação protege o solo, prevenindo o acúmulo de sedimentos nos rios e lagos, que reduz a lâmina d’água e compromete a saúde dos ecossistemas aquáticos.
- Prevenção de Deslizamentos: Geram estabilidade do solo e do relevo, prevenindo desastres naturais em áreas de encostas.
- Conservação da Biodiversidade: As matas ciliares funcionam como habitat, refúgio e corredores ecológicos, vitais para o fluxo gênico e a saúde das espécies.
- Regulação Climática: Contribuem para a regulação do microclima local e previnem inundações, favorecendo a recarga dos aquíferos.
A Lei 14.285/2021 e as Restrições à Flexibilização
O ponto de partida para a alteração das APPs por municípios é a Lei Federal 14.285/2021.
Esta legislação permite que os municípios, em caráter excepcional, definam faixas marginais distintas das estabelecidas no Código Florestal, mas impõe restrições rigorosas.
Paula Guedes enfatizou que essa redução não é aleatória. A alteração só pode ocorrer em áreas urbanas consolidadas e deve observar uma série de critérios e exigências.
Requisitos para Área Urbana Consolidada
- Estar incluída no perímetro urbano pelo plano diretor.
- Dispor de sistema viário implantado e estar organizada em quadras e lotes edificados.
- Apresentar uso predominantemente urbano.
- Dispor de, no mínimo, dois dos seguintes equipamentos de infraestrutura urbana: drenagem pluvial, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, distribuição de energia elétrica e iluminação pública, além de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos.
Condições Inegociáveis para a Alteração
- Não Ocupação de Áreas de Risco: Exige-se a realização de estudos ambientais e a produção de mapeamentos de áreas de risco de inundação, erosão e deslizamento.
- Consulta aos Conselhos: É mandatório ouvir os Conselhos Estaduais, Municipais ou Distritais de Meio Ambiente.
- Observância de Planos Existentes: Deve respeitar as diretrizes de planos municipais, como o Plano de Recursos Hídricos, de Drenagem ou de Saneamento Básico.
- Finalidade Específica: As atividades ou empreendimentos a serem instalados nas APPs urbanas devem se enquadrar em três categorias:
– Utilidade Pública (obras de infraestrutura, serviços públicos).
– Interesse Social (regularização fundiária de assentamentos de baixa renda, infraestrutura para lazer/esportes).
– Baixo Impacto Ambiental (abertura de trilhas para ecoturismo, construção de pontes ou rampas de lançamento para barcos).
O Caminho a Seguir: Diagnóstico e Mapeamento
Segundo a especialista, para a implementação de qualquer alteração subsequente nas APPs, é “necessário o diagnóstico socioambiental detalhado do município e, minimamente, o mapeamento das áreas de risco.”
Ele destaca que, se a lei federal abriu uma possibilidade de flexibilização, também impôs um rigoroso roteiro de planejamento e segurança ambiental que o município deve seguir para evitar a ocorrência de desastres e a degradação dos recursos naturais.


