O ex ministro José Dirceu esteve em Itapetininga nesta quarta-feira (12/11), realizando uma palestra na Subsede de Itapetininga da APEOESP (Sindicato dos Profrofissionais do Ensino Oficial do Estado de SP) sobre a conjuntura política nacional. O repórter Pedro Morais entrevistou para o Portal das Cidades o ex ministro, que é fundador do Partido dos Trabalhadores, e uma das lidernças mais influentes do pensamento de esquerda do Brasil.

Pedro Morais: Não é surpresa para ninguém que esse Congresso Nacional é, digamos, “sinistro”: apóia tudo que é ruim e é contra tudo que é bom. Dentro desse cenário, o presidente Lula é uma força muito grande, e talvez dispute a reeleição no ano que vem. O senhor também pretende se lançar como deputado federal. Nessa situação, como o senhor analisa essa conjuntura, partindo do pressuposto de que vai se integrar ao Congresso Nacional? Como é possível estabelecer diálogo com esse Congresso?

José Dirceu: Boa pergunta. Eu acredito que já há uma tomada de consciência — as manifestações de 21 de janeiro e as pesquisas mostram isso. A sociedade começa a perceber os problemas que o nosso Congresso traz consigo: um Congresso muito conservador, de direita, e que tem se comportado como se não devesse prestar contas ao eleitor, à eleitora, à cidadania. Basta ver a questão do aumento do número de deputados. Era algo simples: a cada novo censo do IBGE, muda-se a população de um estado, e a representação parlamentar deveria mudar proporcionalmente. No Brasil, não é assim. Existe um mínimo de oito e um máximo de setenta deputados por estado — o que a maioria das pessoas nem sabe. São Paulo, por exemplo, deveria ter 111 deputados, e cinco estados que deveriam ter oito têm 40. Isso é um problema. O repúdio nas pesquisas chegou a 80%. O presidente vetou e o Supremo Tribunal Federal, por 11 a 0, declarou inconstitucional. Ou seja, eles sabiam o que estavam fazendo. Isso mostra o grau de irresponsabilidade. Depois, veio a famosa PEC da Impunidade, ou da Blindagem, que pretendia ampliar a imunidade parlamentar — algo que recebeu repúdio da população e, principalmente, da juventude. O Senado acabou enterrando a proposta por unanimidade. E ainda bem, porque, sendo uma PEC, o Supremo teria que declará-la inconstitucional. Agora, temos a questão das emendas impositivas, que na verdade representam um sequestro do orçamento — uma prerrogativa que deveria ser do Executivo. O ideal seria que o Supremo declarasse inconstitucional e o Congresso reorganizasse o modelo de emendas. O problema é que há desvio de finalidade e desperdício de recurso público — shows milionários em cidades sem saneamento básico, sem laboratórios escolares, com postos de saúde precários. E o mais grave: 93 parlamentares estão sendo investigados, com mais de 100 inquéritos abertos na Polícia Federal por determinação do STF. A orientação do presidente da República é uma; a da maioria do Congresso, outra — sem falar na extrema-direita bolsonarista. Portanto, precisamos exigir o fim das emendas impositivas como são hoje, e convencer o eleitorado a votar em deputados e senadores que tenham os mesmos objetivos do presidente Lula. Veja o caso do Tarcísio, que quer privatizar Petrobras, bancos públicos, desvincular o salário mínimo da Previdência, tirar os pisos constitucionais de educação e saúde, privatizar a Previdência, apoiar o Trump, o “tarifaço” e a intervenção militar dos EUA. É isso que a maioria dos brasileiros quer? Temos que disputar a eleição com esse objetivo — e pregar uma reforma política. No Brasil, não há fidelidade partidária. Vota-se em candidatos, e não em partidos. Isso não existe em nenhum outro país. Precisamos de uma reforma política e constitucional.
Pedro Morais: Falando agora sobre segurança pública: esse sempre foi um tema muito caro aos brasileiros, mas ganhou muita projeção após a operação no Rio de Janeiro, que ceifou a vida de mais de 100 pessoas. Sabemos que segurança não se faz só com repressão — é preciso inteligência, pessoal, equipamentos e estrutura. Como conciliar essa necessidade de investimento com o arcabouço fiscal que limita os gastos do governo?
José Dirceu: Primeiro, precisamos discutir a segurança pública em si — e depois, os gastos. Existe o Fundo Nacional de Segurança Pública, mas não há um Fundo Nacional Penitenciário efetivo. As pesquisas mostram que a imensa maioria dos brasileiros quer que o governo federal assuma a responsabilidade pela segurança pública. Não podemos conviver com territórios controlados por facções como o PCC ou o Comando Vermelho, nem com milícias armadas — muitas delas formadas por ex-policiais, inclusive apoiadas pela família Bolsonaro.
É preciso reprimir, sim, mas repressão sozinha não resolve. A prova é que o crime organizado só cresceu nos últimos 40 anos. Experiências anteriores mostraram que é preciso combinar repressão com políticas sociais — educação, saúde, saneamento, emprego e renda. O governo Lula já fez isso: criou a Força Nacional, os presídios federais de segurança máxima e campanhas de desarmamento. O ministro Tarso Genro, por exemplo, criou o PRONASCI, que integrava ações sociais e de segurança. Essa deve ser a direção: combater o crime sem violar direitos humanos, sem execuções sumárias ou mutilações, e sem transformar o país num Estado policial. O Brasil precisa reformar o sistema prisional, integrar órgãos como Polícia Federal, Receita, COAF, Banco Central e polícias estaduais — tudo isso sob um Sistema Nacional de Segurança Pública (SENASP). Isso exige recursos, claro, mas o problema não é o arcabouço fiscal em si. O problema é estrutural: precisamos reduzir juros e fazer uma reforma tributária que desconcentre renda. Hoje, lucros e dividendos não são taxados, o agronegócio paga quase nada, e a mineração contribui muito pouco. 1% dos brasileiros concentra um terço da renda e praticamente não paga imposto. Dois terços da população querem taxar os super-ricos — e isso precisa virar pauta popular, junto com temas como o fim da escala 6×1.
Pedro Morais: O bolsonarismo parece estar se afogando. Bolsonaro inelegível, os filhos em crise, mas ainda existe uma direita organizada, com nomes jovens como Nicolas Ferreira e o MBL ganhando espaço. Enquanto isso, na esquerda, Lula é uma era — tivemos o “pré-Lula”, o “período Lula” e haverá o “pós-Lula”. Surgem também novas lideranças, como Jones Manoel, Renato Freitas, e outros quadros da juventude trabalhista. Como o senhor enxerga a juventude da esquerda atualmente? Como ela pode crescer e enfrentar essa juventude da direita, que parece mais engajada?
José Dirceu : Os líderes nascem da luta política, social e cultural — não caem do céu. O Lula surgiu na luta contra a ditadura, com o crescimento da classe trabalhadora e da industrialização brasileira. Foi um longo caminho até se eleger presidente em 2002. Vencemos cinco eleições depois — só perdemos em 2018 por causa do golpe contra Dilma e da prisão política do Lula, depois anulada. Hoje, novas lideranças estão surgindo: Guilherme Boulos, Rafael Fonteles, Tábata Amaral, João Campos, Duda Hidalgo, Renato Freitas, Jones Manoel… Mas o Lula está certo: o verdadeiro sucessor dele é o PT. Sem partido, sem sindicatos, sem associações, não há continuidade. As lutas dos motoboys, por exemplo, mostram como novas categorias podem se organizar — por respeito, proteção e melhores condições. Há uma tomada de consciência, principalmente entre os jovens. E, ao mesmo tempo, um refluxo do bolsonarismo e do negacionismo. Veja São Paulo: Tarcísio vendeu a Sabesp, precarizou educação e saúde, e aposta em PPPs que não deixarão legado algum. As lideranças da esquerda surgirão da luta. Entrevistador: Para encerrar: o senhor é um político experiente, com visão nacional. Mas, trazendo para o aspecto regional e municipal — especialmente em regiões mais conservadoras como a nossa —, como vê o desafio de reconstruir a liderança? Entrevistado: O PT passou sete anos reprimido, desde 2013. Defendemos Dilma, depois Lula, e agora é um novo momento — quase uma reconstrução, principalmente no interior de São Paulo. Na Grande São Paulo, temos equilíbrio eleitoral, mas o interior ainda é um desafio. Estou percorrendo o interior para ajudar nessa reconstrução: consolidar a luta política, dialogar, projetar lideranças e reorganizar o partido. É um trabalho de longo prazo — dois, quatro, seis anos. Mas acredito que temos chances reais de vencer o governo de São Paulo em 2026. Temos duas grandes lideranças no estado, além de Lula: o vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que já foi ministro da Educação e candidato ao governo. Em 2022, Haddad garantiu a vitória de Lula no estado, e Bolsonaro perdeu 4 milhões de votos. Se Haddad for ao segundo turno novamente, temos base eleitoral sólida para disputar e vencer.


