O mês de maio é o mês das mães, mas também foi internacionalmente reconhecido como o mês da saúde mental materna, um período dedicado à conscientização sobre as significativas alterações emocionais que acompanham a mulher desde a concepção até os primeiros anos de vida do bebê.

O programa CONTROVERSA abordou o assunto entrevistando Sária Nogueira , Beatriz Siqueira e Rúbia Melo, psicólogas especializadas na área perinatal.
O Mito do Instinto Materno e a Realidade da Ambivalência Emocional
A ideia de um instinto materno inato, que faria a mulher lidar com a maternidade de forma perfeita e sem dificuldades emocionais, é um mito perigoso.
A maternidade não anula a individualidade da mulher, com suas próprias questões e história de vida. Ao contrário, a chegada de um filho frequentemente desencadeia uma complexa gama de emoções, marcada pela ambivalência. Alegria, medo, frustração e insegurança se misturam, e é fundamental validar esses sentimentos, desconstruindo a expectativa de uma felicidade materna idealizada.
A Cobrança Social e a Construção da Identidade Materna
Culturalmente, a mulher é ensinada a acreditar que o instinto materno é natural e que ser mãe é uma consequência óbvia de sua condição biológica. Essa cobrança social ignora a história individual de cada mulher e a possibilidade de que ela não deseje ou não se sinta preparada para a maternidade. Ser mãe é uma construção cultural, social e familiar, e a pressão para se encaixar em um estereótipo pode gerar sofrimento e a sensação de ser uma “péssima mãe” caso os sentimentos não correspondam ao idealizado.
A Transformação do Papel da Mulher e os Desafios da Maternidade nos dias atuais
Historicamente, o papel da mulher era predominantemente associado à maternidade e aos cuidados com o lar. No entanto, a sociedade evoluiu, e muitas mulheres encontraram outras formas de realização pessoal e profissional. Hoje, é comum que a mulher seja mãe, trabalhadora e, em muitos casos, a principal provedora do lar. Essa multiplicidade de papéis, embora possa ser fonte de satisfação e independência, também acarreta uma sobrecarga significativa e a necessidade de conciliar diversas responsabilidades.
A dificuldade em solicitar ajuda e a autocobrança excessiva são desafios comuns enfrentados pelas mães. A sociedade, e muitas vezes a própria mulher, internalizam a ideia de que a mãe “deve dar conta de tudo”. Essa pressão pode levar a sentimentos de culpa, ansiedade, estresse e até mesmo à depressão pós-parto, condição que atinge um número significativo de mulheres no período gestacional e puerperal.
O Impacto da Saúde Mental Materna na Relação Mãe-Bebê
É fundamental compreender que a saúde mental da mãe e o bem-estar do bebê estão intrinsecamente ligados. Uma mãe que não está bem emocionalmente pode ter dificuldades em estabelecer uma conexão saudável com o filho, o que pode, a longo prazo, impactar o desenvolvimento infantil. Investir na saúde mental materna é, portanto, uma forma de prevenção e de cuidado com a saúde pública como um todo.
Tratamento e Acolhimento: Caminhos para uma Maternidade Mais Saudável
Felizmente, a sociedade tem evoluído e reconhecido a importância da saúde mental materna. A psicoterapia individual oferece um espaço seguro para que as mulheres possam expressar seus sentimentos, elaborar suas experiências e encontrar estratégias de enfrentamento. Além disso, o pré-natal psicológico surge como uma ferramenta valiosa de prevenção, oferecendo informações, desconstruindo mitos e preparando a mulher e o casal para as transformações da gestação, parto e pós-parto. Essa abordagem pode ser realizada individualmente ou em grupos de apoio.
É animador observar que alguns municípios têm buscado integrar o acompanhamento psicológico nas maternidades e nos serviços de saúde, reconhecendo a necessidade de oferecer um espaço de escuta e acolhimento para as mães.
Violência Obstétrica: Uma Realidade que Precisa Ser Combatida
A violência obstétrica, infelizmente, ainda é uma realidade para muitas mulheres. Ela se manifesta de diversas formas, desde procedimentos desnecessários e realizados sem o consentimento da mulher até falas depreciativas e a desconsideração de suas vontades e necessidades durante o trabalho de parto e o parto. É fundamental que as mulheres conheçam seus direitos, como o de ter um acompanhante de sua escolha durante todo o processo, e que saibam que existem leis que criminalizam a violência obstétrica. O plano de parto é uma ferramenta importante para expressar os desejos e as preferências da mulher em relação ao parto, embora nem sempre seja respeitado pelas equipes médicas.
O Apoio do Poder Público e a Necessidade de Ampliação do Acesso
Embora existam leis que abordam questões relacionadas à saúde da mulher e ao planejamento familiar, como a lei do acompanhante e a criminalização da violência obstétrica, ainda há um longo caminho a percorrer para garantir o acesso universal e qualificado ao acompanhamento psicológico durante a gestação e o puerpério. A ampliação da oferta desses serviços na rede pública, especialmente nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), seria um passo fundamental para promover a saúde mental materna.
Amamentação: Apoio e Respeito às Escolhas da Mãe
A amamentação é inegavelmente benéfica para o bebê, mas nem todas as mulheres desejam ou conseguem amamentar exclusivamente. A pressão social e as campanhas que idealizam a amamentação podem gerar culpa e frustração em mães que enfrentam dificuldades ou fazem outras escolhas. É essencial oferecer apoio individualizado, com consultoria em amamentação, e respeitar as decisões da mãe, lembrando que o bem-estar emocional materno é igualmente importante para a saúde do bebê. A amamentação é uma via de mão dupla, que depende tanto da mãe quanto do bebê, e diversos fatores podem influenciar o sucesso desse processo.