Artigo de Miriam Teodoro
Durante muito tempo, a masculinidade foi medida pela rigidez.
A sociedade ensinou os homens a dominar, a conter as lágrimas, a falar pouco e agir muito, como se emoção fosse sinônimo de fraqueza.
Do cinema aos costumes, criou-se o mito do homem inabalável, o “macho alfa”, símbolo de uma virilidade moldada pela imposição e pela distância afetiva.
Figuras como Jesse Valadão representavam, nas telas, o arquétipo do homem “duro” temido, desejado e emocionalmente inacessível.
Mas esse ideal envelheceu mal.
Hoje, o “macho alfa” já não inspira; ele cansa.
O modelo de homem que reprime sentimentos e confunde poder com respeito se mostra emocionalmente pobre, socialmente desgastado e, muitas vezes, agressivo.
Como lembra o sociólogo Pierre Bourdieu, em A Dominação Masculina, essa construção cultural da virilidade serve para “manter os homens prisioneiros da própria dominação”, aprisionados na ideia de que precisam provar o tempo todo que são fortes, mesmo que isso lhes custe o afeto.
O tempo da sensibilidade
Houve uma época em que a sensibilidade era admirada.
O homem que olhava nos olhos, que se emocionava, que escrevia cartas e dedicava canções, era visto como um ideal, e não como exceção.
Roberto Carlos simbolizou esse tempo: um homem que falava de amor com verdade, que transformava a ternura em virtude.
Ele representava a masculinidade serena, segura o bastante para se permitir sentir.
Essa forma de amar refletia maturidade emocional.
O amor não era espetáculo, era presença.
A paixão não se media em exibição, mas em cuidado.
Era um tempo em que o romantismo era visto como força moral, não como fragilidade.
A cultura do endurecimento
Nos últimos anos, porém, assistimos a uma inversão de valores.
Discursos que reforçam a virilidade como forma de poder e o desprezo à sensibilidade como fraqueza voltaram a ganhar espaço.
Não é coincidência: movimentos reacionários e contrários aos direitos humanos (de homens e mulheres) vêm alimentando uma visão distorcida da masculinidade e da convivência afetiva.
Esses discursos, travestidos de “retorno à ordem” ou “defesa dos valores tradicionais”, na verdade têm enfraquecido o diálogo, o respeito e a igualdade entre as pessoas.
A filósofa Bell Hooks, em O Feminismo é para Todo Mundo, explica que o patriarcado ensina os homens a temer o amor, porque amar implica vulnerabilidade.
Para ela, “os homens aprendem desde cedo que para provar sua masculinidade precisam suprimir seus sentimentos”.
Esse condicionamento produz o que hoje vemos: homens que desejam amor, mas não sabem senti-lo; que anseiam por vínculo, mas têm medo de se entregar.
Ao mesmo tempo, parte das mulheres, também moldadas por essa cultura, passou a naturalizar, e até a romantizar, comportamentos autoritários, confundindo firmeza com proteção e arrogância com liderança.
Como observa a socióloga Elisabeth Badinter, em Um é o Outro, “a masculinidade não existe sem o olhar da mulher que a confirma”.
Ou seja, o desequilíbrio afetivo não é apenas um problema masculino: é um espelho social.
Reeducar o afeto
É preciso resgatar a figura do homem sensível, não o idealizado ou passivo, mas o emocionalmente inteligente, aquele que entende que o cuidado também é poder.
O homem que protege sem dominar, que conduz com sabedoria, que enxerga a mulher como parceira, não como adversária.
A psicologia contemporânea chama isso de masculinidade madura, uma forma de ser homem que integra razão e emoção, coragem e ternura, presença e escuta.
O verdadeiro homem forte é o que reconhece os próprios medos, sem permitir que eles definam sua conduta.
O que conversa olhando nos olhos, que tem firmeza sem dureza, que ama sem precisar exibir.
Esse é o homem que constrói relacionamentos saudáveis, porque se constrói inteiro antes de buscar o outro.
O novo ideal
Talvez estejamos diante de uma transição cultural.
O “macho alfa”, antes glorificado, começa a perder espaço para o homem emocionalmente consciente.
A força agora é medida pela capacidade de diálogo, pela presença afetiva, pela responsabilidade emocional.
O homem que o mundo precisa não é o que levanta a voz, mas o que sustenta a palavra.
Não o que impõe medo, mas o que inspira confiança.
Não o que controla, mas o que compartilha.
E, nesse novo paradigma, Roberto Carlos continua sendo um símbolo: o homem que não precisou da brutalidade para ser rei.
Ele mostrou que a verdadeira força está em sentir e que a sensibilidade é, na verdade, o mais alto grau de poder humano.


