12 de junho de 2025

Entrevistamos a Dra. Mariângela Hungria, pesquisadora da Embrapa Soja e vencedora do prêmio mais importante do mundo na área da agricultura e segurança alimentar – o Prêmio Mundial de Alimentação (World Food Prize), reconhecido como o “Nobel” da agricultura.

Com sua gentileza de sempre e muita simpatia, Mariangela compartilhou sua visão sobre os desafios e oportunidades do setor do Agro, a crescente adoção dos recursos biológicos e a importância da pesquisa pública.

Nossa entrevista contou com a participação de dois especialistas no Agro: Luiz Leitão, engenheiro agrônomo e extensionista da CATI de Itapetininga, e Luís Person, empresário e mestre em agronegócio pela Fundação Getúlio Vargas.

A Importância da Pesquisa Pública

A pesquisa feita pela itapetiningana, só na cultura da soja, dá para o pais uma economia de 25 bilhões de dólares por ano.

“Tem temas que só a pesquisa pública pode resolver, porque a pesquisa pública não tem o interesse próprio, o público tem o interesse do país , do agricultor” destaca Mariangela, apontando que por trás da área privada tem o interesse econômico.

O trabalho da pesquisadora é uma prova disto.Segundo ela as suas pesquisas jamais teriam investimentos do setor privado. “Veja meu próprio exemplo, quem investiria mais de 40 anos numa pesquisa de biológicos ? Hoje esta pesquisa, só na cultura da soja, dá para o pais uma economia de 25 bilhões de dólares por ano” destaca.

“Quem investiria em promover uma integração lavoura e pecuária floresta ? Pra isso a pesquisa pública serve e ela deve ser valorizada. Infelizmente ela é muito massacrada , a própria EMBRAPA vive recebendo críticas , que a EMBRAPA dá prejuízo para o país ….a gente não tem lucro de dinheiro , mas temos o balanço social que demonstra que para cada real investido na EMBRAPA a gente retornou 25 reais para a sociedade” ressalta a pesquisadora.

A pesquisadora conclui com um apelo pela valorização da pesquisa e da extensão agropecuária, classificando-as como riquezas do Brasil. “Precisamos ter a valorização disto, que é a riqueza do país. A pesquisa e a extensão agropecuária são riquezas nossas”, finaliza Mariângela, reforçando a importância de reconhecer o valor imensurável da pesquisa científica pública.

O Crescimento dos Biológicos e a Independência Tecnológica

Mariângela Hungria contextualizou o cenário atual, explicando que a pandemia e a guerra entre Rússia e Ucrânia expuseram a vulnerabilidade do Brasil à importação de fertilizantes, que hoje representa 85% do total necessário. Essa crise, segundo ela, impulsionou a busca por alternativas, levando muitos agricultores a testarem os bioinsumos e comprovarem sua eficácia, desmistificando o marketing dos produtos químicos.

“O que aconteceu foi que o marketing dos químicos é muito maior do que o marketing dos biológicos. E infinitamente maior do que o marketing de pesquisa. E daí, como eles resolveram arriscar, porque começou a faltar fertilizantes, e eles testaram os biológicos e viram que era verdade o que a pesquisa falava. E passou a ter um aumento fantástico na adoção dos biológicos”, explicou a pesquisadora.

Apesar do avanço, a pesquisadora expressou decepção com a tramitação da Lei 15.070/2022 (estabelece as diretrizes para a produção, comercialização e utilização de bioinsumos no Brasil), que, apesar de sancionada, não incluiu pontos cruciais defendidos pela pesquisa, como a obrigatoriedade de indicação da origem e segurança dos microrganismos, um cadastro mínimo dos produtores e a responsabilidade técnica. “A ciência é pouco ouvida no legislativo, vencem ali os interesses políticos”, lamentou a pesquisadora da Embrapa, ressaltando que o Brasil possui a melhor legislação do mundo para bioinsumos, garantindo segurança ao agricultor.

Mariângela destacou que a maioria dos microrganismos utilizados pelas multinacionais tem origem na pesquisa brasileira. Além disso, ela enfatizou que as empresas nacionais de biológicos são altamente qualificadas e competitivas globalmente, com um nível tecnológico superior ao de muitos países.

Bioeconomia e o Potencial do Solo Brasileiro

Mariângela Hungria ressaltou que a bioeconomia abrange um vasto leque de oportunidades para o Brasil, desde a exploração da biodiversidade amazônica até o uso de microrganismos do solo.

“A bioeconomia tem se referido muito mais a todo esse potencial que a gente tem, mesmo de mel, de frutas que não são exploradas, de espécies da Amazônia, da própria biodiversidade como uma fonte de renda. O Brasil é estimado que tenha de 20 a 25% de toda a biodiversidade do mundo, mas menos do que 1% é hoje explorado”, pontuou.

Ela destacou o potencial da bioeconomia de microrganismos do solo brasileiro, uma área na qual o conhecimento ainda é muito limitado. Com uma coleção de quase 5.000 microrganismos, a pesquisadora acredita que o solo brasileiro pode ser a chave para solucionar os problemas da agricultura nos próximos séculos, com um potencial econômico estimado em trilhões de dólares.

Desafios e Perspectivas para o Uso de Biológicos

Mariângela explicou que, no momento, os biológicos não podem substituir totalmente os fertilizantes químicos. Ela defende o manejo integrado, onde os extensionistas desempenham um papel fundamental em orientar os agricultores sobre o melhor momento para usar cada tipo de insumo. “O biológico, ele demora um pouco para acontecer, mas ele se prorroga a longo prazo. Não vejo conhecimento hoje para um biológico poder substituir totalmente o químico”, afirmou.

Superando Preconceitos e Empoderando Mulheres na Ciência

“Eu sofri todo o tipo de preconceito que você possa imaginar, porque eu era mulher numa época que a agronomia era extremamente masculina, e não só masculina, machista. Porque eu era mãe, e tinha uma filha especial, e não podia assumir vários compromissos por causa disso. O melhor jeito de você vencer o preconceito, se é uma limitação, é você falar, ‘tudo bem, eu não posso fazer isso, mas eu vou fazer aquilo tão bem, tão bem que vai superar essa parte que eu não pude fazer’.”

Ela revelou que, por causa da deficiência de sua filha, não podia viajar muito, o que a levou a focar na escrita de artigos e livros. Essa dedicação resultou em um grande número de citações, tornando-a a pesquisadora número um em ciência agronômica.

O Futuro da Agricultura: Uma Perspectiva Feminina

Mariângela Hungria enfatizou a importância da persistência, resiliência e resistência. “Tudo que a gente faz porque realmente acredita, e tem confiança, e tenta fazer bem feito, só essas coisas dão felicidade para a gente”, afirmou.

Ela também destacou a escassez de recursos humanos qualificados na área de biológicos, um fator limitante para o setor.

A pesquisadora concluiu nossa entrevista com uma visão inspiradora sobre o futuro da agricultura, que ela descreve como “feminina”. “A agricultura do futuro é feminina. E não é que é de mulheres, porque eu acho que os homens podem ter o lado feminino. O que eu entendo por feminina? O lado de cuidado da sustentabilidade, de procurar entender, é uma agricultura feminina. Eu acho que os homens vão ter que desenvolver mais esse lado feminino da agricultura para ter sustentabilidade”, finalizou Mariângela Hungria, deixando uma mensagem de otimismo e a certeza de que a ciência e a pesquisa são os pilares para um futuro mais sustentável na agricultura brasileira.

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