12 de junho de 2025

Em meio ao burburinho do horário de almoço e à agitação noturna do delivery, Mateus Silvério e Leandro Gonsalves personificam a realidade de muitos entregadores de moto em Itapetininga. Trabalhando incansavelmente para garantir que refeições e lanches cheguem aos seus destinos, eles compartilharam um pouco do seu cotidiano, marcado pela independência, mas também pela falta de amparo e pelos perigos constantes.

Ambos com vasta experiência na área, inclusive com aplicativos de entrega, Mateus e Leandro concordam em um ponto crucial: o trabalho por conta própria, apesar de desafiador, mostrou-se mais vantajoso do que a efêmera parceria com as plataformas digitais. “Cada um por si e Deus por todos”, resume Mateus, ecoando um sentimento de individualidade forçada. Leandro complementa, ressaltando o desgaste dos veículos e a desvalorização dos repasses por parte dos aplicativos. Para ele, o transporte de passageiros, que também experimentou, exige ainda mais cautela, carregando consigo a responsabilidade por outra vida.

Dr. Fábio Sacco, advogado trabalhista, contextualiza o cenário atual como um período de intensa transformação para a profissão, ainda carente de uma legislação que acompanhe seu crescimento exponencial. “A sociedade de alguma maneira precisa pensar na proteção desses trabalhadores, pelo menos nos direitos básicos”, pondera o advogado, demonstrando preocupação com a lentidão do poder público em oferecer um amparo legal adequado. Ele critica a ausência de uma legislação robusta e atualizada, mencionando uma tentativa durante a pandemia que já não se aplica ao contexto pós-pandemia.

Dr. Fábio Sacco traça um paralelo entre categorias profissionais com vínculos empregatícios consolidados pela CLT, que gozam de direitos como FGTS e previdência, e a situação dos autônomos, incluindo os entregadores. A informalidade, segundo ele, escancara a máxima do “cada um por si”, onde a proteção social se torna uma responsabilidade individual, nem sempre viável. Ele lembra que certas legislações, como o uso obrigatório de cinto e capacete, comprovam a necessidade de intervenção para garantir a segurança e o bem-estar dos cidadãos.

A vulnerabilidade da profissão se torna ainda mais evidente nos relatos de acidentes. Mateus compartilha suas três experiências, felizmente sem gravidade extrema, mas que o deixaram parado e dependente da boa vontade de alguns clientes. Leandro, por sua vez, nunca sofreu acidentes sérios, mas presenciou cenas impactantes, como o velório de um colega em frente ao estabelecimento onde ele perdeu a vida, que sequer decretou luto. A falta de suporte financeiro em momentos de afastamento e a dependência da “consideração do dono do estabelecimento” expõem a fragilidade desses trabalhadores.

Dr. Fábio Sacco reforça que mesmo a formalização como MEI não resolve o cerne do problema, já que a ferramenta de trabalho – a moto – e a própria força física do entregador são constantemente exigidas. Ele critica a “precarização da relação de serviço” e a falta de responsabilização por parte das empresas em casos de acidentes ocorridos a serviço. “A responsabilidade fica com você, trabalhador, que eu não quero fazer nenhuma militância política aqui, mas é refém de todo esse contexto profissional que se desenha”, desabafa o advogado. Ele levanta uma questão crucial sobre o futuro desses profissionais, indagando sobre como eles irão envelhecer sem a devida proteção social.

A relação com os clientes também se mostra um desafio. Mateus descreve a dualidade de serem vistos como heróis por entregarem a refeição, mas também como vilões no trânsito, muitas vezes incompreendidos em sua necessidade de agilidade. Ele aponta para a falta de preparo da infraestrutura viária da cidade para o crescente número de motocicletas e a impaciência de alguns motoristas. Leandro complementa, relatando a discriminação sofrida e a falta de compreensão em situações de atraso, muitas vezes causados por imprevistos alheios à sua vontade.

A pressão por entregas rápidas e taxas baixas, imposta pelo mercado e pela cultura do imediatismo, é outro ponto crítico levantado por Dr. Fábio Saco. Ele defende a proibição do ganho por produtividade para motoristas, argumentando que essa lógica incentiva comportamentos perigosos no trânsito. O advogado compartilha um caso extremo de um caminhoneiro que utilizava drogas para cumprir prazos exaustivos, ilustrando os riscos de uma cultura de trabalho baseada na velocidade e na quantidade em detrimento da segurança. “O salário tem que ser fixo, fixo pela entrega, por turno, e acabou”, sentencia.

A sociedade, acostumada à conveniência e aos baixos custos do delivery, muitas vezes ignora a realidade por trás da agilidade das entregas. Dr. Fábio Saco lamenta que o mercado se equilibre em cima dessa exploração, onde a busca pelo lucro prevalece sobre o bem-estar do trabalhador.

Mateus e Leandro finalizam a conversa com um apelo à empatia, tanto no trânsito quanto por parte das empresas e dos clientes. Eles ressaltam a importância de se valorizarem como profissionais e de buscarem seus direitos, pensando em um futuro com mais segurança e dignidade.

Dr. Fábio Sacco encerra  com uma mensagem direcionada aos empresários que se beneficiam desse serviço essencial, convidando-os a refletir sobre a importância desses trabalhadores e a demonstrarem mais sensibilidade e cuidado em seu dia a dia. Afinal, por trás de cada entrega rápida, existe um ser humano que busca o sustento e almeja um futuro com mais proteção e reconhecimento.

Autor

Por Portal das Cidades

O Portal das Cidades é um site de entrevistas e notícias da região de Itapetininga, num novo formato interativo com as plataformas digitais.

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